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HISTORIA DA CAPOEIRA REGIONAL NO BRASIL

HISTORIA DA CAPOEIRA REGIONAL NO BRASIL

Capoeira Regional, um estilo criado por Mestre Bimba

Manoel dos Reis Machado nasceu em 23 de novembro de 1899 no bairro de Engenho Velho, freguesia de Brotas, em Salvador. Ele possuía dois documentos de identidade: um com data de nascimento de 1899 e outro de 1990. Filho de Luiz Cândido Machado e de dona Maria Martinha do Bonfim, é considerado, até hoje, um dos capoeiristas mais importantes da história do Brasil. Mestre Bimba contribuiu com muitas mudanças nos códigos da capoeira. Bimba faleceu no dia 5 de fevereiro de 1974, em Goiânia-GO, um ano após ter deixado a Bahia em busca de melhores condições de vida. Em 12 de junho de 1996, Mestre Bimba recebeu o título de Doutor Honoris Causa “Post Morten” pela Universidade Federal da Bahia.

Nasce um capoeira

Iniciou-se na capoeira aos 12 anos de idade na Estrada das Boiadas, hoje bairro da Liberdade, em Salvador. Seu mestre foi o africano Bentinho, capitão da Companhia de Navegação Bahiana. Mestre Bimba fundou a primeira academia de capoeira do Brasil, situada na Roça do Lobo, rua Bananal, número 4, Tororó, distrito de Sant’Anna. No dia 9 de junho de 1937, a academia de Mestre Bimba recebeu o registro oficial da Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública do município de Salvador. Tempos depois a academia passou a funcionar no Terreiro de Jesus, rua do Maciel, número 1.

Capoeira Regional

Mestre Bimba é considerado um dos capoeiristas mais importantes da história da arte-luta brasileira. Bimba enriqueceu enormemente a capoeira, preservando o essencial das tradições da luta brasileira e, ao mesmo tempo, adaptando-a à realidade de seu tempo. Mestre Bimba foi o criador da Capoeira Regional, um estilo de capoeira conhecido em todo o mundo. Bimba era habilidoso lutador, destacado em desafios no ringue, e exímio praticante da tradicional Capoeira Angola. Há inúmeros registros nos jornais de Salvador dos anos trinta e quarenta dos desafios lançados por Mestre Bimba a outros lutadores. Sabe-se que seu pai era lutador de batuque, uma luta do nordeste brasileiro que infelizmente desapareceu com o tempo. O batuque era rico em técnicas de golpes traumáticos e desequilibrantes, e Mestre Bimba procurou incorporá-las à capoeira.

A primeira academia de capoeira do Brasil foi fundada por Mestre Bimba em 1932, em Salvador, no Engenho Velho de Brotas, com o nome de "Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia". Essa academia foi a primeira a receber autorização oficial para o ensino da capoeira, em 1937. O mesmo documento, expedido pela Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública do Estado da Bahia, reconhecia o criador da Regional como professor de Educação Física. Em 1939, Mestre Bimba começou a ensinar capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército (CPOR) de Salvador, no Forte do Barbalho, onde trabalhou por três anos (1939 a 1942).

Presidente Getúlio Vargas

Em 1939, Mestre Bimba começou a ensinar capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército (CPOR) de Salvador, no Forte do Barbalho, onde trabalhou por três anos (1939 a 1942). Em seu livro Bimba: Perfil do Mestre (1987), Mestre Itapoan relaciona várias apresentações de capoeira dirigidas por Mestre Bimba, em diversos estados, do começo da década de 40 ao início dos anos 70, em locais como quartéis, universidades, ginásios de esportes, palácios governamentais etc. Talvez a mais importante dessas exibições tenha sido aquela ocorrida em 1953, para o então Presidente Getúlio Vargas, ocasião em que o mestre ouviu do presidente: A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional.

Ter junta

Mestre Bimba, durante um certo período, realizava alguns testes antes de matrícular um novo aluno em sua academia. O objetivo era constatar se o candidato tinha condições físicas para a prática da capoeira que criou, dentro de seus padrões de exigência. Determinava que o candidato executasse certos exercícios físicos, demonstrando seu potencial em termos de flexibilidade, força e resistência. Em geral fazia alguns movimentos como a "cocorinha" (esquiva que consiste num agachamento com uma das mãos no chão), a "queda de rins" (exercício de equilíbrio em que o capoeirista se apóia nos braços, encostando a cabeça no chão e elevando as pernas) e a "ponte". A intenção, como Mestre Bimba esclarecia, era saber se o futuro aluno teria "junta" para aprender a capoeira que ensinava. "Ter junta" significava ter corpo flexível.

Treinamento do Capoerista

Ginga

A ginga é a movimentação básica da capoeira, uma série de pequenos deslocamentos, combinando movimentos de pernas e braços, a partir dos quais são executados os golpes. Tendo aprendido a gingar, o iniciante passaria às Seqüências de Ensino. Estas eram séries pré-estabelecidas de movimentos de ataque e defesa que os capoeiristas faziam em duplas, simulando um jogo de capoeira. Eram oito seqüências, com grau de dificuldade crescente, reunindo os principais movimentos utilizados na capoeira, entre esquivas, golpes traumáticos e desequilibrantes.

A maior inovação introduzida por Mestre Bimba na capoeira foi o seu método de ensino. O "Curso de Capoeira Regional" tinha uma duração variável, de seis meses a um ano, aproximadamente, com aulas de uma hora, três vezes por semana. No curso o capoeirista aprendia a ginga, as oito Seqüências de Ensino e a Cintura Desprezada. Em todas as aulas, o iniciante treinava as seqüências e a Cintura Desprezada com um capoeira "formado", que era como Mestre Bimba chamava o capoeirista que já havia concluído o curso.

Quando considerava necessário, Mestre Bimba somente aceitava alunos que estudassem ou trabalhassem, devendo comprovar uma dessas duas condições através da apresentação do respectivo documento, carteira de trabalho ou de estudante. Essa exigência foi um dos primeiros passos no sentido de se procurar dissociar a capoeira de uma antiga imagem de "prática de desordeiros".

Cintura Desprezada

O passo seguinte seria o aprendizado da Cintura Desprezada, um conjunto de projeções (golpes em que se procura agarrar o adversário e arremessá-lo ao chão, geralmente por cima do próprio corpo) conhecidas como "balões". Esse treinamento tinha por objetivo habituar o capoeirista a reagir a agarramentos e ensiná-lo a cair corretamente quando projetado ao chão.

A introdução dos balões, também denominados "golpes ligados", seguramente constituiu o aspecto da Capoeira Regional que produziu maior polêmica. Há toda uma discussão em que alguns afirmam que Mestre Bimba teria absorvido elementos de outras lutas, como o judô, o jiu-jitsu, a luta livre e o savate para compor a Regional.

Entre os velhos mestres entrevistados essa é a opinião corrente, embora geralmente não atribuam a tal fato um caráter negativo ou descaracterizador, como se pode perceber na observação de um dos mais famosos angoleiros do Brasil, Mestre João Pequeno: "A capoeira de Bimba tinha uns 50 golpes. Mas ele tinha razão, ele botou golpes de outras lutas na capoeira dele"[4]. Diversos autores, como Édison Carneiro, destacam a Capoeira Regional como produto da fusão da capoeira tradicional com outras lutas:

Formaturas

Como conjunto metódico e sistematizado de princípios e práticas relacionadas à capoeira, a Regional compreendia determinados rituais que assinalavam as passagens de níveis hierárquicos. Ao final do curso ou das especializações, o capoeirista participava de cerimônias altamente organizadas, as "formaturas". A solenidade tinha a seguinte estrutura: inicialmente Mestre Bimba falava aos presentes, explicando a finalidade do evento, após o que passava a palavra ao paraninfo da turma, um formado, que abordava algum assunto relativo à capoeira. Começavam, em seguida, as demonstrações da luta: os formados jogavam como os formandos e estes, depois, jogavam entre si.

Especialização

Após a "formatura" o capoeirista esperava a abertura de inscrições para o "curso de especialização". O capoeirista deveria fazer dois cursos desse tipo, normalmente com o intervalo de um ano entre eles. Segundo os depoimentos de ex-alunos de Mestre Bimba, não havia diferenças significativas de conteúdo entre a primeira especialização e a segunda. Nesses cursos, Bimba ensinava uma série de novos movimentos para serem utilizados na roda de capoeira, porém o que mais caracterizava as especializações eram os treinamentos para combates reais, contra um ou mais oponentes, armados ou desarmados, em diversas condições. No curso de especialização, a Regional evidenciava sua preocupação com a formação do capoeirista como um lutador. Afinal, como informou Mestre Ezequiel, "Mestre Bimba preparava você para a roda como também para o cotidiano, para se defender da violência". De acordo com Mestre Itapoã, o Curso de Especialização se estendia por três meses, sendo dois na academia e um nas matas da Chapada do Rio Vermelho, onde aconteciam as "emboscadas", ponto alto dessa etapa do curso: “Era uma verdadeira guerra, verdadeiro treinamento de guerrilha. Bimba colocava quatro a cinco alunos para pegar de emboscada. (...) Durante essas emboscadas, os alunos do Mestre quebravam cercas, invadiam casas, tudo isso para defender-se de qualquer maneira. (Almeida,1982:27).” Havia também o treinamento com armas: faca, navalha, cacete, facão e revólver. Alguns mestres entrevistados ressaltaram a habilidade de Mestre Bimba no manejo desses instrumentos, como foi o caso de Mestre Caiçara: "Ele não largava um dezoito polegadas. Depois largou, mas tinha uma munheca boa como o quê".

* Dezoito polegadas é a denominação popular para um facão que tem a lâmina com essa dimensão.

Esguião de seda

No momento seguinte, executavam os movimentos que aprenderam durante o curso, inclusive a cintura desprezada. O formando recebia, das mãos de sua madrinha, uma medalha, a ser colocada no peito, e um lenço, que Bimba chamava de "esguião de seda", a ser amarrado no pescoço. O lenço no pescoço era uma referência à crença de que os antigos capoeiras utilizavam esse recurso como defesa, pois acreditava-se que a seda pura não pode ser cortada pela navalha. Ao concluir o curso, o capoeirista recebia o lenço azul. Após a primeira especialização, um lenço vermelho, e o lenço amarelo ao terminar a segunda especialização. Segundo conta Mestre Ezequiel. “Esse lenço era um símbolo que marcava a sua condição. O lenço não se usava. Você recebia o lenço no dia da formatura e guardava com muito carinho, como eu tenho o meu guardado até hoje. Aí você já era um formado, já tinha alguns direitos, como jogar Iúna. Todo mundo tinha que bater palma quando você jogava Iúna. Você já ganhava uma condição diferente.”

Símbolo : Lenço e Medalha

O lenço era um símbolo que marcava a sua condição. O lenço não se usava no dia-a-dia da capoeira. Ele dava alguns direitos aos formados, como jogar Iúna. Todo mundo tinha que bater palma quando o aluno jogava Iúna. Tendo recebido o lenço e a medalha, o formando devia fazer, com um formado, um jogo que se chamava "tira-medalha". Esse jogo consistia numa espécie de "prova de fogo" em que o formado procurava tirar a medalha da camisa do formando com um golpe de pé. Mestre Bimba marcava o fim do jogo com o uso de um apito e se até aquele momento a medalha não houvesse sido retirada do peito do candidato, sua condição de formado estava confirmada.

Disciplina

A rigorosa disciplina que vigorava na academia de Mestre Bimba estabelecia três níveis hierárquicos: "calouro", "formado" e "formado especializado". A maior honra para um formado era poder jogar Iúna, isto é, jogar na roda de capoeira ao som do toque denominado Iúna, executado pelo berimbau. O jogo de Iúna tinha a função simbólica de promover a demarcação do grupo dos formados para o grupo dos calouros. Segundo os depoimentos recolhidos junto a ex-alunos de Mestre Bimba, a única peculiaridade técnica do jogo de Iúna em relação aos jogos realizados em outros momentos no ritual da roda de capoeira era a obrigatoriedade da aplicação de um golpe ligado no desenrolar do jogo, além do fato de destacar-se pela maior habilidade dos capoeiristas que o executavam. O jogo de Iúna era praticado apenas ao som do berimbau, sem palmas ou outros instrumentos, o que reforçava seu caráter solene. Ao final de cada jogo todos os participantes aplaudiam os capoeiristas que saíam da roda.

Tradição

A preocupação de Mestre Bimba em conciliar as tradições da capoeira com as técnicas que reforçariam a eficiência combativa dessa luta é manifestada no livreto que acompanhava o disco com cantigas de capoeira que foi gravado pelo Mestre:

Ao apresentar essa obra ao público, acompanhada de um LP com folclore da capoeira, pretendemos oferecer-lhe um curso completo de Defesa Pessoal da mais alta eficiência, bem como um valioso subsídio ao estudo de uma das mais ricas e autênticas tradições baianas.

No referido livreto encontram-se explicações sobre as técnicas da capoeira Regional e uma pequena biografia de Mestre Bimba. Na academia da Capoeira Regional de Bimba havia um quadro contendo um regulamento com nove itens, englobando aspectos técnicos e disciplinares:

  1. Deixe de fumar. É proibido fumar durante os treinos.
  2. Deixe de beber. O uso do álcool prejudica o metabolismo muscular.
  3. Evite demonstrar aos seus amigos de fora da "roda" de capoeira os seus progressos. Lembre-se de que a surpresa é a melhor aliada numa luta.
  4. Evite conversa durante o treino. Você está pagando o tempo que passa na academia; e observando os outros lutadores, aprenderá mais.
  5. Procure gingar sempre.
  6. Pratique diariamente os exercícios fundamentais.
  7. Não tenha medo de se aproximar do oponente. Quanto mais próximo se mantiver, melhor aprenderá.
  8. Conserve o corpo relaxado.
  9. É melhor apanhar na “roda” que na “rua”.

Saúde é fundamental

A preocupação com a saúde do capoeirista é um ítem importante para o Mestre, que chama a atenção para os perigos do uso do fumo e do álcool. Considerando que a Regional procurava preparar acima de tudo um lutador, o Mestre recomendava que se evitasse demonstrações desnecessárias dos avanços obtidos pelo atleta. Assim, o capoeirista teria a seu favor o elemento surpresa quando fosse necessário utilizar suas técnicas. Além disso, Mestre Bimba mostrava que o jogo da capoeira tem hora e lugar apropriados, com rituais que devem ser respeitados. Era uma forma de procurar valorizar a capoeira, preservando as tradições da luta.

Além disso, Mestre Bimba chama a atenção para a importância da boa preparação física do capoeirista. A capoeira é uma luta que exige muito em flexibilidade, resistência e força muscular, e Mestre Bimba recomendava que os exercícios básicos fossem realizados diariamente, visando a obter um bom desempenho. Enfim, o regulamento da academia do Mestre Bimba é um documento importante na medida em que procura distanciar a capoeira da imagem de marginalidade à qual estava associada até o início deste século.

Comentário:

Para conhecer melhor a vida de Mestre Bimba é fundamental ler o livro de Mestre Itapoan (Raimundo Cesar A. de Almeida), intitulado Bimba: perfil do mestre (1987). Ver também, do mesmo autor, A saga do Mestre Bimba (1994).

Citações:

  1. Artigo de Luiz Renato Vieira, publicado na Revista CombatSport, n. 23, mai. 1995.
  2. Este estudo baseia-se na bibliografia existente sobre o tema, em entrevistas realizadas com ex-alunos de Mestre Bimba, como Mestre Itapoã e Mestre Ezequiel.
  3. Para conhecer melhor a vida de Mestre Bimba é fundamental ler o livro de Mestre Itapoã (Raimundo Cesar A. de Almeida), intitulado Bimba: perfil do mestre (1987). Ver também, do mesmo autor, A saga do Mestre Bimba (1994).
  4. A entrevista com Mestre João Pequeno e outros Velhos Mestres foi realizada por um grupo de pesquisadores, do qual Luiz Renato Vieira teve a oportunidade de participar, como parte do Projeto Caá-Puéra, desenvolvido com o apoio do Ministério da Educação em 1988.